Auta de Souza 

Disponível em: http://www.pontodevistaonline.com.br/o-casarao-dos-castricianos-valerio-mesquita/. Acesso em 10/10/2020

Na época em que nasceu Auta de Souza, Macaíba era um importante centro comercial e político do Rio Grande do Norte. Mas, para entendermos melhor a vida de nossa poetiza, é necessário que conheçamos um pouco a origem de sua família.
 
Um dos pioneiros da região da ribeira do Jundiaí, foi o Sr. Francisco Pedro Bandeira de Melo, possuidor de muito gado e senhor de muitas terras, entre estas o sítio Coité. Auta de Souza era bisneta desse senhor. Esse bisavô deu em casamento uma de suas filhas, Cosma Bandeira de Melo, ao seu estimado e honrado vaqueiro Felix José de Souza, conhecido pela alcunha de negro Félix, ou ainda Félix do Potengi Pequeno, município de São Gonçalo e depois de Macaíba. Da união entre Félix e Cosma, nasceu um menino que batizaram com o nome de Eloy Castriciano de Souza, futuro pai de Auta de Souza, que trabalhou durante treze anos para o Sr. Fabrício Gomes Pedroza, que era casado em segundas núpcias com uma outra filha do Sr.  Francisco Pedro Bandeira de Melo, chamada Damiana. Talvez por isso, alguns pesquisadores façam confusão informando em seus textos que Auta teria sido bisneta de Fabrício Gomes Pedroza.
 
Em Guarapes Eloy conhece um pernambucano chamado Francisco de Paula Rodrigues, conversador, inquieto e bom negociante, que logo recebeu a alcunha de Chico Lateja. Por volta de 1871, Francisco de Paula, juntamente com Eloy de Souza e Thomaz Antônio de Mello montam uma firma chamada PAULA, ELOY & CIA, financiadora de algodão e açúcar e distribuidora de outros produtos vindos de Pernambuco como farinha-de-mandioca, arroz e milho. Macaíba servia como ponto distribuidor dessas mercadorias vinda do Recife.
 
Em visita a família de Francisco de Paula de Rodrigues, em Recife, que vivia em união com dona Silvina Maria da Conceição, Eloy Castriciano de Souza conhece uma filha do casal, Henriqueta Leopoldina, moça com menos de vinte anos de idade, logo ficam noivos e se casam no Recife, em 1872. Em março de 1873, nasce o primeiro filho, Eloy Castriciano de Souza. Logo que a criança “endurece o pescoço”, a família se muda para Macaíba, onde passa a residir numa casa à rua do porto. Nesta casa, nascem mais dois filhos, Henrique Castriciano, em 1874 e Irineu, em 1875. Após o nascimento desses dois filhos a família passa a residir em uma outra casa, maior e bastante arejada, é a casa nova da rua do comércio, onde em 1876 nasce a única menina da família, nossa poeta Auta de Souza. Em 1877, nasce João Câncio Rodrigues de Souza, o último filho do casal, pois logo dona Henriqueta adoece. O diagnóstico é desanimador: a jovem senhora está com tuberculose, mal incurável na época. Em 1879, no engenho Jundiaí, arredores da vila de Macaíba, morre dona Henriqueta, com apenas 27 anos de idade. O viúvo fica inconsolável e se entrega de corpo e alma à campanha política para deputado Provincial, enfrentando chuva, poeira, jornadas em botes e cavalgadas. Ganha a eleição mas perde a vida, também vitimado pela tuberculose, em 1881, aos 39 anos de idade, deixando agora completamente órfãs as cinco crianças.
 
Dona Silvina e seu Francisco de Paula tomam os cinco netos e se mudam para Recife. Mas o luto parece não os querer abandonar. Em 1882, morre Francisco de Paula acometido por uma bronquite e por uma velha asma. Dona Silvina fica então com a grande responsabilidade de cuidar sozinha dos cinco netos.
 
A “dama-branca” continua atormentado a família, ameaçando a vida do menino Henrique, que passa a viver de cidade em cidade do Rio Grande do Norte, procurando climas melhores para conviver com a doença.
 
Enquanto isso, Auta levava, a medida do possível, uma vida normal. Foi criança esperta, curiosa, buliçosa e muito inteligente. Aos sete anos de idade já sabia ler e escrever. Quando completou onze anos, uma nova tragédia vem atormentar sua vida e a de sua família. Irineu, seu irmão, então com doze anos de idade, é vitimado pela explosão de um candeeiro a gás. Sofre por dezoito horas seguidas até morrer. Nova perda, nova dor que iria marcar para sempre a memória de Auta. Para aplacar um pouco a tristeza que abate a menina, Dindinha resolve matriculá-la no Colégio São Vicente de Paula (em Estância, Pernambuco). Lá, Auta se destaca como uma das alunas mais aplicadas, aprendendo a ler e escrever em inglês e francês.
 
A exemplo de outros colégios femininos da época, o São Vicente de Paula se voltava basicamente para a formação das meninas para o convívio social e moralização do caráter nos moldes cristãos. A rotina do colégio incluía orações diárias, comemorações religiosas, leituras doutrinárias e de caráter vocacional. Para estimular a conduta apregoada eram oferecidos às alunas, prêmios para as que se destacavam pela virtude, dedicação, zelo e piedade. As premiadas inspiravam outras alunas “menos virtuosas” a seguirem o mesmo exemplo. Auta de Souza esteve entre as alunas premiadas da escola.
 
Após três anos de estudos, problemas pulmonares fizeram Auta abandonar o colégio. Era a dama branca que passava a atormentar a vida da jovem adolescente então com 14 anos de idade. A procura de melhores climas para a saúde da neta, Dindinha volta a morar em Macaíba. Aqui, Auta tenta levar uma vida normal, ensina catecismo para crianças e no dia da primeira comunhão sempre oferece em sua residência um belo lanche, incluindo todo tipo de guloseimas.
 
Não abandonou os estudos, continuou aprimorando sua formação intelectual sozinha. Se transformou em uma autodidata. Em 1893, então com dezessete anos de idade, começa com grande intensidade sua vida de poeta. Quando em 1894 foi fundado em Macaíba o Club do Biscoito (associação de amigos que faziam reuniões dançantes na residência dos associados), Auta era uma das mais assíduas freqüentadoras, declamando versos de seus poetas preferidos como Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Castro Alves, Lourival Açucena, Segundo Wanderley e outros poetas anônimos conhecidos apenas por tradição.
 
Auta estreou publicamente na revista Oásis, de Natal, em 1894. Em 1896 começou a escrever para a República. A partir de 1897, Auta passou a publicar seus versos assiduamente em a Tribuna. Entre 1899 e 1900, neste mesmo jornal, passou a usar os pseudônimos de Ida Salúcio e Hilário das Neves.
 
Entre 1894 e 1899 Auta viveu anos movimentados. Atravessava períodos de melhoras e recaídas, fazendo viagens constantes entre Recife, Vila de São José de Angicos, Nova Cruz, Serra da Raiz e, entre Macaíba e São Paulo do Potengi, a fazenda Jardim que denominou de Alto da Saudade. Por volta de 1895 apaixonou-se pela primeira e última vez na sua breve vida. O rapaz era o promotor público de Macaíba, João Leopoldo da Silva Loureiro. Por interferência dos irmãos, o namoro não se concretizou. Como o rapaz não insistiu, Auta acabou o namoro. Talvez seus irmãos temessem uma união entre os dois que culminasse na geração de filhos doentes já que o rapaz sofria do mesmo mal que Auta, chegando inclusive a morrer primeiro que ela.  
 
Entre 1893 e 1897, Auta juntou todos os seus poemas em um livro manuscrito denominado Dhálias. Após este, a poeta abre um novo manuscrito chamado Horto, trazendo boa parte dos poemas contidos em Dhálias, alguns modificados, outros novos acrescentados. Horto é divulgado na imprensa em 1898. Neste mesmo período Auta colabora com a primeira revista católica do Estado, denominada Oito de setembro, dirigida pelo padre João Maria que mais tarde se tornará figura lendária, venerado como milagreiro por muitos cristãos católicos. Auta colabora ainda na revista Rio Grande do Norte, ao lado do irmão Henrique. Seria então a única mulher a escrever para a imprensa norte-rio-grandense nesse período.
 
Em 20 de junho de 1900, Horto é publicado, trazendo o prefácio assinado por Olavo Bilac. Antes da publicação do livro completar seis meses, a 7 de fevereiro de 1901, a famosa poeta  morre em Natal, na casa dos irmãos Henrique e Eloy. Após a morte de Auta, os manuscritos de Dhália e Horto ficam com Henrique Castriciano. Após a morte de Henrique esses manuscritos passam para as mãos de Noilde Ramalho, diretora da Escola Doméstica de Natal, onde até hoje se encontram guardados, juntamente com as primeiras quatro edições esgotadas de Horto.
 
Em 1904, os restos mortais da poeta são exumados no cemitério do Alecrim onde foi enterrada e levados para a Igreja Matriz de Macaíba, onde os ossos foram colocados no jazigo da família na parede da Igreja. Em 1951, por sugestão do então presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Paulo Pinheiro Viveiros, foi feita uma lápide trazendo os seguintes versos da poeta: “Longe da mágoa, enfim no céu repousa, quem sofreu muito e quem amou demais”.
 
Um outro aspecto importante da obra de Auta são os poemas que passaram a ser cantados ao longo da história, transmitidos de geração a geração, desde o século XIX até hoje. Segundo a pesquisadora Nalba de Souza Leão, as modinhas de Auta foram tocadas e cantadas por muitos membros da sua família, que sempre se emocionavam ao escuta-las. Em Macaíba, nossa saudosa dona Isaura Alves do Nascimento, juntamente com Joanete Moura e Estefânia Freitas Duarte, ainda em 1997, relembraram cantando para a pesquisadora Ana Laudelina, alguns versinhos de Auta guardados na memória.
 
Além de ser conhecida através de seus poemas e cancioneiros, Auta também é conhecida como uma grande mentora espiritual pelos espíritas kardecistas, que a consideram um espírito superior que atua no plano celeste. São atribuídos a Auta, vários poemas psicografados (a psicografia é um termo usado pelos espíritas que fazem alusão à comunicação dos espíritos por meio da escrita) pelo falecido médium Chico Xavier, publicados inclusive num livro espírita denominado “Auta de Souza”. Outros livros espíritas também trazem poemas atribuídos à poeta, que os teria escrito no mundo espiritual fazendo-os chegar até nós por meio da psicografia.
 
Segundo a pesquisadora Ana Laudelina, dos quatro irmãos, o único que teve filhos foi João Câncio. Os descendentes mais diretos da família são duas sobrinhas, filhas de João Câncio: Auta de Souza Nascimento e Elza Moraes, que não chegaram a conhecer pessoalmente a tia poeta, conheceram apenas os tios Henrique e Eloy. Essas descendentes da família residem em Recife, mas devido à idade avançada, nem sempre estão dispostas a receber visitas ou falar sobre a família, pois são fatos que emocionam.
 
Auta, como afirmou a citada pesquisadora acima, “...foi uma mulher de seu tempo que, a seu tempo, optou por algo à frente de sua cultura...”. Ousou ser poeta, conseguiu publicar seu trabalho, em uma época em que a escrita profissional era ofício legado apenas aos homens.
 
Sua poesia é marcada por forte religiosidade (fruto da cultura de sua época) e pela tristeza provocada pela morte de seus entes mais queridos e pela privação ao amor, à felicidade, à sua saúde e à sua própria vida.
 
Maria Luzinete Dantas Lima
Texto revisado em 06/11/2020
 

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